O Outro nome das coisas, Maria do Mar Fazenda


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O Outro Nome das Coisas
Representamos o objectivo e o subjectivo, a quantidade e a qualidade, o número cardinal e o ordinal, a desordem corpuscular e a música das esferas, a fatalidade e a liberdade. Representamos tudo isso, num cenário sólido, líquido e gasoso. E, por isso, comemos, bebemos, e respiramos;– três virtudes do fôlego animado, porque muda o que come, em sensações, o que bebe em sentimentos e o que respira em ideias claras ou obscuras, conforme é límpido o ar ou enevoado... É de sólida origem a sensação; o sentimento é já de origem fluídica; e, então, o pensamento é só cor azul ou imagem íntima da luz. 
 Teixeira de Pascoaes
o outro nome das coisas, a um primeiro olhar surge como desviante do corpo principal da pesquisa de Catarina Botelho. (mas pergunto-me se não é o próprio trabalho que se está a desviar, a contornar, a encontrar um novo corpo.) A sua pesquisa afirmou-se num quadro composto pela observação epidérmica da sua intimidade, um registo que se situa para lá da forma dos corpos de com quem experiencia, vive, habita lugares e casas. Segunda pele é o título que reuniu, temporariamente, um conjunto de fotografias que pontuavam algumas das divisões da Casa de Serralves (em 2007). O relacionar das fotografias (e aquilo que a sua imagem desenha) com o espaço onde eram expostas (e.g. a coincidência da entrada de luz na imagem com a do espaço expositivo) foi um dispositivo iniciado nesta exposição. Em 2009, Dias Úteis, um projecto expositivo apresentado num edifício Pombalino abandonado, teve como principal impulso esta dinâmica da leitura da imagem em sintonia com o espaço onde o trabalho habita transitoriamente. O itinerário desta exposição, em espiral e semi-labiríntico, terminava nas águas furtadas do edifício, onde eram expostos dois trabalhos que tinham como principal motor a noção de tempo"Modo Funcionário de Viver", um conjunto de sete fotografias, e o livro de artista "Termo de identidade e residência" surgem como configurações desta procura de fixar a transformação de determinados corpos, sob o efeito da variação da luz dos dias. “o outro nome das coisas” segue esta mesma senda: a parede de um espaço, vivenciado diariamente pela artista, é reconhecida como a interpretação de um determinado devir. 

Se pensarmos no trabalho de Catarina Botelho enquanto registo da intimidade que lhe é circundante, podemos desdobrar esta observação em dois estratos: uma em trânsito ou em movimento (aquele ao que as pessoas, os frutos, os objectos e a luz pertencem), e um outro, que ocorre de uma estabilidade, e.g., o registo diário de uma única existência (umas almofadas, um auto-retrato, uma parede); uma mesma situação/um mesmo ponto de vista: para nela encontrar, nomear – e nesse gesto, fixar? – a progressiva diferença dada pelo compasso do tempo e pelas variações da dualidade entre sombra-luz. A reunião de um conjunto de imagens (quase-idênticas) num único objecto inscreve a ocorrência temporal do seu gesto. Na leitura deste objecto ocorre um efeito de palimpsesto. Ao correr das páginas, o enquadramento das áreas pintadas na parede delineia um mapa geográfico em mutação, de um mundo interior que é revisto, sobreposto, redesenhado diariamente.  





Uma mesa para um livro 

Um livro para uma mesa

Numa sala com vista para Lisboa, sobre uma mesa é apresentado um livro que resulta de uma prática diária que Catarina Botelho levou a cabo durante cerca de meio ano. Ao longo dos dias, a diferentes horas, a artista fotografou de o mesmo ponto de vista e de modo frontal, uma parede e a luz que a banhava por via de uma janela contígua. A partilha da intimidade, da sequencialidade e da transitoriedade do seu pensamento – ou da imagem íntima da luz – está inerente à proposta de leitura deste objecto.   

Maria do Mar Fazenda





un libro para una mesa
una mesa para un livro

En una sala con vistas a Lisboa, se presenta un libro sobre una mesa. Es el resultado de una práctica diaria de Catarina Botelho llevado a cabo durante aproximadamente medio año. Todos los días sin horario fijo, la artista fotografió, desde un mismo punto de vista frontal, una pared bañada por la luz de una ventana contigua. El compartir de la intimidad, de la secuencialidad, de la transitoriedad, de su pensamiento y de la imagen íntima de la luz, es inherente a la propuesta de la lectura del objeto.




A table for a book
A book for a table



In a room with a view over Lisbon a book is presented on a table. It results from a daily practice undertaken by Catarina Botelho during the course of a year and a half. Along the days, at different times, the artist photographed frontally and from the same point of view, a wall and the light that hit it from a nearby window. The sharing of intimacy, the transitory sequence of her thought - or the intimate image of light - is inherent to the proposed reading of this object.