Embora a sua formação académica tenha sido
em pintura, na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, o trabalho
artístico de Catarina Botelho (n. 1981) tem-se confinado à prática da
fotografia. Longe de ser um mero episódio biográfico, esta inflexão da pintura
para a fotografia, permite compreender e contextualizar um conjunto de
características estéticas e motivações conceptuais que orientam o seu
imaginário visual, nomeadamente um sentido de composição e indução temporal da
imagem que articula a singularidade do fotográfico
com uma nítida sensibilidade e modelação pictórica.
Outra característica recorrente na
fotografia de Catarina Botelho é a sua propensão para se focalizar em temas do
quotidiano, como modo de fixar e assinalar momentos, figuras, objectos e
lugares significantes da experiência do seu dia-a-dia. Contudo, as suas imagens
não pretendem verter uma documentação diarística ou até mesmo autobiográfica;
pelo contrário, as imagens procuram incitar a uma imaginação paradoxal e
sugestiva, que não se limita à legibilidade do assunto representado, porque a
vivência da imagem potencia as suas qualidades heurísticas, a abertura a outros
tempos e espaços, bem como a outros temas centrais no trabalho de Catarina
Botelho, como a experiência da memória, e as questões em torno do género, do
corpo e da intimidade.
Para o EPEA, Catarina Botelho realizou a
série O tempo e o modo, composta por
sete imagens realizadas num Hamam
(termo árabe para bathhouse) em Istambul. Em vez de se interessar pelas
actividades e pelas pessoas que frequentam e trabalham nestes lugares, a
fotógrafa focou-se na representação de vários objectos simples e banais, como
pratos, embalagens, baldes e cestos em plástico e vassouras, utilizados
diariamente nas actividades do Hamam.
O tom geral é de uma certa intemporalidade, como uma evocação de espaços e
práticas que perduram desde o século XV. Pela ausência de pessoas e pela forma
como os objectos são isolados sobre o fundo da pedra que reveste o chão e as
paredes do Hamam, a imagem tende a
conduzir a nossa percepção para as características formais, cromáticas e tonais
dos objectos e a sua colocação neste cenário dominado pela pedra, ou seja, quadros que num certo sentido promovem
um confronto entre a condição efémera, frágil e vulgar destes objectos, e a
durabilidade, resistência e nobreza da pedra, no qual se foram sedimentando
vários momentos da história, como um espaço marcado por múltiplas
temporalidades.
Por
outro lado, como refere Catarina Botelho, “the Hamams are places of the naked
body. Beyond the religious matters, the body is simply there, beside others and
in relation to itself. There are no clocks, no work, just bodies sitting or
laying down. Inside we are all equal.”
Assim, a variedade das cores e das formas dos objectos em contraste com o
aspecto incolor e frio da pedra podem também ser entendidos como uma alegoria
que celebra a diversidade cultural, racial, religiosa e sexual. Além disso, não
deixa de ser interessante notar o facto de estarmos perante o trabalho de uma
artista que sempre viveu num dos extremos a Ocidente da Europa e que instigada
a abordar o tema das Identidades Europeias decida realizar o trabalho num pais
como a Turquia, um dos limites mais a Oriente da Europa, mas também um eixo de confluência
de toda a história do continente eurasiático.
Sergio Mah
Though she trained as a
painter, at Lisbon University’s Faculty of Fine Arts, as a practising artist
Catarina Botelho (b. 1981) has worked exclusively within photography. This is
not just a biographical detail – the shift from painting to photography is the
key to understanding and contextualising a number of formal characteristics and
conceptual concerns which inform her imagery, namely a sense of composition and
temporal suggestion within the image, in which specific photographic qualities are allied with an obviously pictorial sensibility and approach to
form.
Another recurrent
feature of Catarina Botelho’s photography is her propensity for focussing on
everyday subject matter, as a method of recording and marking significant
moments, figures, objects and places from her daily life. The intent of these
images, however, is not diaristic or even autobiographical documentation; on
the contrary, they aim to stimulate a paradoxical and suggestive imaginative
state which transcends a literal reading of the subject matter, since the
experience of the image activates their heuristic qualities and invites a
consideration of other times and spaces, as well as other central themes in
Catarina Botelho’s work, such as the experience of memory and issues of gender,
the body and intimacy.
For the EPEA, Catarina
Botelho produced the series O tempo e o
modo [Time and Manner], comprising seven images made in a hamam, a
traditional bathhouse, in Istanbul. The photographer was not concerned with the
activities that took place, nor with the people who frequent or work in the
hamam, but focussed instead on the various simple and banal objects, such as
plates, jars and bottles, plastic buckets and baskets and brooms, that are used
there every day. The general tone is one of a kind of timelessness, an
evocation of spaces and practices which date back to the fifteenth century. The
absence of people, and the way in which the objects are isolated against the
backdrop of stone that covers the wall and floors of the hamam, lead us to
perceive the image in terms of the formal, chromatic and tonal characteristics
of the objects, and their position within this setting dominated by stone – scenes, in other words, that induce a
confrontation between the ephemeral, fragile and vulgar nature of these
objects, and the durability, strength and nobility of the stone, a repository
of the past, like a space marked by multiple temporalities.
Sergio Mah